O consumidor no comando sobre as marcas

Marshall McLuhan chamou a publicidade de “folclore da sociedade industrial” na década de 1950. Os aforismos de McLuhan eram sempre crípticos e continham mais que seu significado aparente. Mas podemos entender o termo “folclore” como um conjunto de lendas que todos aprendem desde a infância, recitadas pelos anciãos e pajés da tribo. Naquela época, as ferramentas e meios necessários para difundir imagens e textos sobre produtos comerciais estavam ao alcance apenas das grandes empresas — ou das agências de publicidade contratadas pelas empresas.

Essa situação começou a mudar radicalmente com a proliferação dos meios eletrônicos, tornando as ferramentas de produção de conteúdo cada vez mais baratas. Some-se a isso a chegada da internet em banda larga, e agora todos os membros da tribo pode fazer folclore. Quinze minutos (ou 30 segundos) de absoluto sucesso.

O caso “Diet Coke & Mentos”
Dois amigos, o malabarista profissional Fritz Grobe, de 37 anos, e Stephen Voltz, um advogado de 48 anos, do vilarejo de Buckfield (população 1900), no estado do Maine. Grobe e Voltz são membros de um grupo de teatro local, o ‘Oddfellow Theater’. No início deste ano, os amigos criaram um dos mais populares “vídeos virais” do início da era da internet em banda larga. Eles contam que assistiram a um vídeo onde alguém jogava uma bala dentro de uma garrafa de refrigerante — a reação entre o açúcar e o gás carbônico faz a garrafa literalmente explodir com a expansão do líquido, criando um jato que pode atingir mais de 10 metros de altura. Eles decidiram criar uma versão própria da “gag” e assim surgiu o fenômeno “Diet Coke & Mentos”.

Além da reação química entre o açúcar da bala e o CO2 do refrigerante, que faz o líquido espirrar em grande altitude, Grobe e Voltz realizaram uma espetacular catálise publicitária: dois cidadãos comuns, não ligados às empresas fabricantes nem a agências conhecidas de publicidade geraram uma sensação instantânea na web com o vídeo original, que depois se multiplicou em novas versões feitas pelos próprios Grobe e Voltz e dezenas de cópias e paródias. Assim é o mundo das imagens na era do YouTube.

Para a maioria das pessoas que enviam vídeos para o YouTube, MySpace ou outras comunidades, o sucesso significa que milhares ou até milhões de pessoas vão assistir sua criação. Por alguns dias ou até semanas, é possível ser famoso nesse universo rápido e volátil. Esse sucesso geralmente não rende dinheiro, mas Grobe e Voltz ganharam mais de US$ 28.000 com anúncios no final dos vídeos — com anunciantes como a Microsoft, Warner Home Video e Universal Pictures.

A empresa que fabrica o Mentos nos EUA, uma unidade da italiana Perfetti Van Melle, viu no fenômeno uma explosão de popularidade que ela mesma avalia em US$ 10 milhões– sendo que a Van Melle gasta menos de US$ 20 milhões por ano com publicidade nos EUA. A Van Melle chegou a contar 800 vídeos diferentes no YouTube e similares.

Grobe e Voltz partiram para construções mais elaboradas: na última encarnação da piada, eles usaram 101 garrafas de 2 litros de Coca diet e 523 drops para criar uma “fonte dançante”, imitando a entrada do hotel-cassino Belaggio em Las Vegas.

A Coca-Cola se mostrou mais blasé a respeito do fenômeno. Uma porta-voz da empresa disse que é “um fenômeno de entretenimento, e preferimos que as pessoas bebam Diet Coke, em vez de fazer experimentos científicos com a bebida”. E mais ainda, que “essa loucura com o Mentos não se encaixa na personalidade da marca Diet Coke”. Declaração temerária, numa época em que os consumidores norte-americanos estão trocando os refrigerantes diet por água mineral e outras bebidas não carbonatadas.

Apesar da atitude de pretensa indiferença da Coca-Cola, o fenômeno é indicativo do poder espetacular de multiplicação na era da internet. Dos quase mil vídeos que copiavam o original de Grobe e Voltz, muitos são de locais bem distantes da pacata Buckfield, como Israel e China. E observadores da mídia apontaram que a brincadeira de misturar doce com refrigerante com efeito explosivo existe há anos.

Uma das marcas mais características dessa “segunda era” da internet (chamada Web 2.0 por alguns) é que a confluência de ferramentas autorais fáceis de usar e conexões velozes permite um crescimento exponencial de conteúdos amadores, que geram picos enormes de atenção. Milhões de pessoas ao redor do mundo assistiram a um vídeo de fundo de quintal, produzido sem qualquer recurso técnico ou financeiro. Só no site Revver, o vídeo teve 5 milhões de acessos desde maio.

Mudança de paradigma assusta empresas
Atrás da postura aparentemente fria da Coca-Cola, esconde-se um pânico das corporações. As grandes empresas investem muito tempo e milhões de dólares para criar, nutrir e amadurecer uma marca. E a marca é uma entidade “envelopada” em uma enorme estrutura de proteção, sempre atenta a danos a arranhões. As maiores corporações mantêm departamentos inteiros de relações públicas para “apagar incêndios” na imagem de seus produtos. Que o digam a Exxon, a Nike e muitas outras.

Ainda na década de 90, a Nike criou uma promoção onde os consumidores poderiam personalizar uma frase que seria bordada no par de tênis comprado pela internet. Mas a empresa se viu numa saia justíssima quando os clientes começaram a enviar frases como “Fabricado com mão-de-obra escrava na Ásia” ou “Desrespeitando o meio ambiente”, e centenas de outras, com críticas e palavrões. Em pânico, a empresa começou a recusar as frases, alegando política da empresa, e cancelou a promoção em seguida. Era tarde, o caso chegou à imprensa e causou um belo estrago. A Nike se fechou em copas e esperou a tempestade passar. Mas isso foi na primeira Era da internet. Hoje, o número de internautas é muito maior, e as empresas temem que os clientes assumam o controle sobre a marca, como um tipo de “aquisição hostil” em termos de mercado.

Em 2005, a empresa de entregas FedEx ameaçou processar um artesão no Arizona se ele não tirasse do ar um site onde ele exibia móveis (mesas e cadeiras) feitos totalmente com caixas da FedEx. A empresa considerou que o moveleiro estava simplesmente violando os direitos da FedEx em benefício próprio. Essa postura ilustra o peso do investimento na marca em relação aos benefícios possíveis com a “abertura” desse controle para os consumidores. Afinal de contas, são eles os reais donos das marcas: cada item comprado na sociedade de consumo representa uma “ação” da empresa.

A Mentos teve uma visão diferente sobre o caso. A fabricante de doces planeja inclusive contratar Grobe e Voltz para fazer uma turnê com seu truque de fontes dançantes — talvez como número de abertura de um show de música pop ou algo assim.

“Co-criação” e marketing colaborativo
O navegador Firefox, concorrente do Internet Explorer da Microsoft, é um projeto de “fonte aberta”, com pelo menos 1.000 pessoas contribuindo para sua criação e desenvolvimento. A Mozilla Corporation, que distribui o Firefox, resolveu estender o conceito para uma campanha publicitária.

Na campanha ‘Firefox Flicks”, convidou os fãs do browser a criar comerciais de 30 segundos, com qualidade profissional de imagem. Esses anúncios seriam avaliados por um painel de profissionais dos setores de TV, cinema e publicidade. A Mozilla recebeu 280 comerciais de todos os cantos do mundo. Além do júri profissional, os comerciais foram votados pelos próprios usuários em uma votação paralela, onde o comercial favorito (que comparava o Firefox com browsers rivais, tirando sarro do Internet Explorer da Microsoft) teve 29.000 votos, e foi depois visto milhares de vezes no YouTube — e inspirou algumas paródias.

Já quando a General Motors pediu que os consumidores criassem um anúncio personalizado para o modelo Chevy Tahoe, várias pessoas apresentaram mensagens contra a empresa ou contra o modelo do carro, que consome muita gasolina. Os comerciais eram colocados no site da GM, que rapidamente tirou os exemplares mais ofensivos do ar. Mas eles continuaram existindo no YouTube.

Para resumir a história: a General Motors criou um site onde qualquer pessoas podia criar seu próprio comercial, editando com ferramentas simples imagens do carro Chevy Tahoe com uma seleção de músicas de fundo. A questão é que o site permitia também a adição de legendas sobre as imagens. É óbvio que isso desencadeou uma explosão de comerciais que criticavam a marca, o carro, o consumo, etc.

O caso foi amplamente comentado nos blogs e na mídia tradicional. Muitos observaram que a GM experimentou a fina linha entre o fiasco e o sucesso com a iniciativa. É um clichê que diz que “não existe má publicidade”. A empresa não é ingênua, é claro que os criadores da campanha imaginaram que haveria um número considerável de “anti-anúncios”. A General Motors conseguiu uma grande exposição para o veículo com isso, mas para tanto, teve que abdicar de uma coisa muito importante, que é o controle absoluto sobre a marca. Talvez de modo relutante, a empresa sancionou o uso crítico da marca pelos consumidores.

No blog AdRants, o comentário dizia que sempre haverá opiniões negativas a respeito de qualquer marca ou produto. Entender e aceitar essas visões contrárias pode ser mais benéfico para a marca do que censurar ou ignorar essas opiniões. O que a GM pode fazer nesse caso é mostrar que é uma empresa “cool”, mesmo que você deteste seus produtos, disse outro blog.

As opções da GM em relação aos anti-anúncios eram 3: deletar os anúncios negativos; deixar os anúncios, mas não comentar; e deixar os anúncios e estabelecer um diálogo. É claro que a primeira opção era a pior, e a terceira a melhor. A GM adotou a posição intermediária. Segundo a porta-voz Melisa Tezanos, “a GM antecipou que haveria anúncios criticando o produto. Quando você entrega a marca para o controle público, é de se esperar que venham tanto opiniões boas quanto ruins. Mas isso faz parte de jogar esse jogo”.

A chave está na afirmação “entregar a marca ao público”. E esse jogo será cada vez mais jogado.

Os profissionais de marketing costumavam ser os sacerdotes que intermediavam a relação entre o consumidor e a Marca Toda-Poderosa, mas agora se fala em “co-criação”. Grant McCracken, um escritor e antropólogo, diz que a relação entre os consumidores e as marcas está passando por uma Reforma. McCracken vê essa relação como algo “inteligente e inevitável”, mesmo em caso como o do Chevy Tahoe. Segundo ele, acabou a era da marca construída cuidadosamente de modo a não ofender ninguém e agradar a todos.

Os comerciais vencedores da promoção do Firefox, “Daredevil” e “Wheee!” foram ambos criados por “quase-profissionais”, estudantes das áreas de cinema e design — e ter ganhado essa promoção vai catapultar os jovens estudantes em suas carreiras. “Co-criação” também se confunde com “co-promoção” — são ajudados pela marca que promoveram. McLuhan falava do mantra da sociedade industrial: promoção, marketing, persuasão — não exatamente um folclores, mas uma linguagem comum de uma sociedade de consumo.

A agência de publicidade ViTrue está lançando nos EUA uma plataforma exclusiva para comerciais criados pelos consumidores. Em vez de criar um software específico, a ViTrue comprou a comunidade de vídeo online Sharkle, um similar do YouTube. E os usuários do Sharkle vão continuar colocando seus vídeos normalmente no site — só que agora podem faturar com isso. A agência quer estimular a criatividade dos internautas, criando concursos de comerciais amadores para algumas marcas. A agência pretende criar um “ponto de encontro” entre marcas e consumidores, criando uma arena onde as empresas “aproveitem a criatividade dos consumidores para criar anúncios mais relevantes, com menores custos”.

No princípio, a ViTrue vai distribuir esses comerciais em websites, mas os planos da agência são expandir a divulgação das peças criadas pelos consumidores para as mídias tradicionais, especialmente TV aberta e rádio.

Em uma outra vertente, as marcas estão deixando os consumidores participar não apenas da criação do marketing do produto, mas do desenvolvimento do próprio produto. Segundo Kirk Olson, consultor de consumo da firma de pesquisas Iconoculture, essa tendência chama-se “fingeprinting” — o desejo de participar do produto, acrescentando elementos pessoais em sua produção.

Exemplo disso é a empresa Threadless.com de Chicago, que fabrica camisetas. A marca promove um concurso de design aberto ao internautas, e as estampas são depois votadas pelos próprios usuários. Os desenhos mais votados depois de uma semana são impressos em camisetas e vendidos.

A Apple também usa essa tendência em torno de seu produto mais famoso, o iPod. Os usuários podem mandar gravar mensagens no corpo do aparelho, e são estimulados a dar palpites no design de futuros modelos.

Esse processo é diferente da personalização, ou “customização” de produtos. Segundo a analista Kathy Baylor, na customização um cliente escolhe uma mercadoria já pronta na prateleira e solicita ajustes ou detalhes. Na participação do consumidor, chamada de “customer-made”, o cliente participa ativamente do processo de design, até antes do produto chegar ao mercado.

E o fenômeno é mundial. Na Suécia, a famosa marca de móveis Ikea selecionou designs de clientes para uma nova linha de produtos. No Brasil, a Kaiser pediu ao consumidores que enviassem suas preferências de sabor para a cervejaria criar uma nova marca premium. No Tate Britain Museum de Londres, os visitantes são convidados a escrever legendas para as obras expostas — as frases são selecionadas e colocadas ao lado das obras.

A firma de pesquisas Keller Fay Group lançou um projeto para investigar o que as pessoas realmente pensam e falam das marcas em seu cotidiano. A firma entrevistou centenas de pessoas e pediu a elas que mantivessem um diário para anotar conversas onde fossem mencionados produtos e marcas. O projeto envolveu mais de 18.000 pessoas nos EUA.

A pesquisa revelou que as pessoas geralmente mencionam uma dúzia de marcas em suas conversas todos os dias. As marcas mais discutidas são ligadas à mídia e ao entretenimento, como filmes, programas de TV e publicações. Mas as pessoas também falam de marcas de alimentos, companhias aéreas, automóveis e lojas. Target, K-Mart, Sears, J. C. Penney, Gap, Victoria’s Secret e Wal-Mart estão entre os nomes mais freqüentes. Na maioria das vezes as pessoas dizem coisas positivas sobre os produtos, especialmente quando são solicitadas a recomendar algum produto. Empresas financeiras e de telecomunicações estão entre as mais criticadas.

A tendência da co-criação de anúncios com os consumidores não está sendo ignorada pelas grandes agências dos Estados Unidos, por mais que ela ameace a posição de “sacerdotes” da comunicação empresarial assumida pelos publicitários.

Grandes anunciantes como Chipotle, Converse, Pepsi e MasterCard lançaram campanhas convidando os consumidores a usarem novas tecnologias de vídeo para criar comerciais amadores.

Por exemplo, o salgadinho Doritos (fabricado pela PepsiCo) motivou uma campanha durante o campeonato de futebol americano que atraiu mais de 1.000 participantes, que enviaram seus vídeos. O comercial escolhido pelo anunciante apareceu durante os intervalos dos jogos, no horário de maior audiência da TV nos Estados Unidos.

Não apenas os anunciantes estão estimulando os consumidores a criarem comerciais, mas as redes de TV também estão testando a participação do espectador na produção de programas. O canal CW, que exibe o seriado adolescente “One Tree Hill”, fez uma parceria com a Cadbury Schweppes, que produz a linha de refrigerantes Sunkist, para convidar os fãs do seriado a enviar vídeos para o canal. A promoção chama-se “Sunkist Brings ‘One Tree Hill’ to Your Town Contest” e o prêmio é incomum: uma participação especial em um episódio para o criador do comercial, filmada em locação na cidade natal do vencedor. Os participantes enviam seus vídeos para um site criado especialmente para a promoção (cwtv.com/sunkist). Os internautas podem votar nos vídeos, que ficam disponíveis no site. Em menos de duas semanas, foram enviados quase 400 comerciais caseiros. Não é para menos: o seriado tem um elenco de jovens excepcionalmente atraentes, que vão contracenar com o vencedor do concurso. Para completar, a audiência de “One Tree Hill” é exatamente o alvo demográfico dos refrigerantes Sunkist.

O vice-presidente de vendas da CW, Bill Morningstar, chama a iniciativa de “marketing de 360 graus”. E explica: o ponto de partida é o seriado de TV, os comerciais são enviados para a web e o vencedor será transformado em convidado especial do programa, com filmagens em sua própria cidade. Já a diretora de promoções da Cadbury Schweppes, Lauren Radcliffe, diz que sua empresa pode não ter a verba publicitária de alguns concorrentes, mas certamente está fazendo uso inteligente das novas possibilidades de marketing que se tornaram possíveis com a internet. Os produtores do seriado acreditam que a promoção da Cadbury ajudou a elevar a audiência do programa, que terá nova temporada. O dinheiro do anunciante, a propósito, está sendo reinvestido na produção do programa.

O ditado do comércio que diz que “o consumidor é rei e tem sempre razão” não é mais um mero bordão. A questão fundamental é saber o que como as empresas vão agir diante deste crescente “empowerment” do consumidor. Podem optar por ignorar essa revolução, perdendo a oportunidade de comunicar intimamente com uma nova geração de consumidores. Pior ainda, podem reagir de forma agressiva, bloqueando qualquer “uso não autorizado da marca”, sob pena de processo legal. As empresas e marcas que entenderem que não outro caminho além do diálogo colaborativo com seus clientes terão maior chance de sucesso neste século.

Foto: Headway / Unsplash

Este post foi visto primeiramente no Jornal 140.

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